Quando pensamos na população carcerária, é comum julgarmos e desprezarmos esses “irmãos” que, em algum momento da vida, tomaram caminhos errados.
Geralmente, ao passarmos por um presídio, observamos seus altos muros e guaritas com receio. Há medo de se aproximar, de interagir — até mesmo de imaginar que ali estão, em sua maioria, pessoas que cometeram crimes, mas que podem ser recuperadas e reintegradas à sociedade. Já refletiu sobre isso? A verdade é que a grande maioria pode, sim, ser regenerada, mesmo que esse pensamento ainda nos cause desconforto.
É exatamente isso que a APAC – Associação de Proteção e Assistência aos Condenados vem mostrando ao Brasil. Com mais e 50 unidades espalhadas pelo país, em 8 estados, essa instituição adota um modelo prisional centrado na valorização da dignidade humana, no qual o preso é tratado como recuperando — alguém em processo de transformação.
Os resultados são expressivos:
✅ Mais de 85% dos homens e 95% das mulheres que passam pela APAC não reincidem em crimes
❌ Em contraste, no sistema prisional convencional, a reincidência é superior a 80%
💰 Além disso, o custo de um recuperando representa cerca de 1/3 do valor gasto com um preso no sistema tradicional.
Participei de uma visita à unidade da APAC em Pouso Alegre (MG), junto ao grupo de Liderança Virtuosa, conduzido por Alexandre Di Miceli e Ângela Donaggio. Ali vivenciei algo raro: interações humanas genuínas com recuperandos condenados a longas penas — sem grades, sem algemas, com olhos brilhantes e palavras sinceras.
Esses homens falavam com clareza sobre o que vivenciaram no sistema prisional comum e o que significava estar em uma APAC. A rotina é intensa e disciplinada: das primeiras horas da manhã até a noite, são atividades que envolvem trabalho, estudo, espiritualidade, autocuidado e convivência social. Cada progresso é reconhecido, e a lei de remissão de pena ( LEP- Lei de Execução Penal – 7.210/1984, artigo 126) permite a redução da pena por meio de trabalho.
Outro diferencial importante: os recuperandos ficam próximos de suas famílias e comunidades, favorecendo a reintegração e o apoio afetivo. Os familiares também recebem suporte de voluntários preparados, que acompanham e orientam durante toda a jornada.
Em uma das conversas, um jovem cadeirante me perguntou por que estávamos ali. Expliquei que éramos um grupo de estudos sobre liderança virtuosa. Curioso, ele me pediu que explicasse o que isso significava. Disse que se trata de liderar com humanidade, respeito, disciplina, humildade e visão de longo prazo. Ele então respondeu, com convicção:
“Então a APAC é uma organização virtuosa.”
Falou de seu passado com revolta e bullying, e de seus planos futuros — o que faria quando ganhasse a liberdade definitiva. Nos períodos de saída temporária de sete dias, já colocava parte desse plano em prática. Sua esperança e consciência me marcaram profundamente.
Recuperandas femininas, ainda um desafio de melhores instalações
O mesmo entusiasmo observamos nas instalações femininas em outro local próximo. Ainda muito pequeno, pois não recebe o mesmo apoio que as instalações masculinas. Entretanto foi brilhante o entusiasmo da líder dessa organização que tinha uma grande determinação de mudar esse cenário.
Essa foi apenas uma das muitas conversas com jovens envolvidos anteriormente em crimes graves. Pessoas com as quais, em outros contextos, jamais interagiríamos. A APAC nos proporciona essa conexão — e já provou que funciona. Mas precisa de mais reconhecimento, investimento e multiplicação.
A visita foi guiada por Valdeci Ferreira, advogado, teólogo e um dos principais líderes do movimento APAC no Brasil. Ele percorreu cinco horas de estrada para estar conosco, porque acredita que cada visitante se torna um multiplicador dessa cultura de regeneração.
A APAC é uma solução comprovada para a crise carcerária. Tem potencial para reduzir drasticamente a população prisional brasileira — hoje estimada em cerca de 1 milhão de pessoas, incluindo prisão domiciliar — e ao mesmo tempo gerar economia e transformar vidas.
Como transformar experiências como essa em modelos estruturados e replicáveis em nossa sociedade?
Muitas outras perguntas surgem, mas deixo essa reflexão com você.
Recursos Recomendados
📘 Livro: “A revolução do sistema Penitenciário”, de Valdeci Ferreira
🔗 Site oficial da APAC: https://www.fbac.org.br
🎥 Vídeo institucional da APAC: https://www.youtube.com/@fbacoficial
📊 Dados sobre reincidência e custo: disponíveis no site da FBAC (Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados)